sexta-feira, 22 de maio de 2009


Das Lied vom Kindsein

Como se ouve um poema? As fronteiras das palavras esbatem-se e cedem espaço à cadência, ao tom, à harmonia... Foi assim que cedo me deliciei com as línguas estrangeiras e que, sem as entender ainda, tratava de inventar idiomas com as amigas. Quando se ouve um poema na língua materna, também se faz essa regressão a uma infância perdida mas pode ouvir-se a língua mãe com o espanto com que ouvimos um idioma estrangeiro? Um amigo meu, alemão, prometeu "cantar-me" este poema como se o lesse aos seus filhos. Eu, que em alemão sou ainda mais nova do que os seus rapazes, fico embevecida com a sua oferta e cantarolo: «warum bin ich, warum nicht du?/warum bin ich hier, warum nicht dort?» (tradução livre: «Por que sou eu e não tu, por que estou eu aqui e não acolá?»).

Mas nem todo o poema se assemelha a uma cantilena infantil (cantilenas essas que me lembram o terraço em casa da minha "mestra", assim chamada a senhora que nos iniciava na escrita, na leitura e nas contas antes do tempo, no tempo em que não havia tempo..., no tempo em que contar era tão apetecível na folha aos quadrados como a jogar à macaca... lembro-me nitidamente do verde quase alface dos rebordos desse terraço...). Mas, concluía eu, ser que pensa e pondera, que nem todo o poema se apresenta nesse registo de transposição de tempos sem tempo, nesse círculo feliz e luminoso. Trechos de dureza, de infeliz resignação ao pensamento formado e reflexivo, de tempos fechados e rectilíneos, se interpõem... ainda que quem cante, cante com teimosia que ainda assim é o mundo, como quando éramos crianças. O mundo é afinal o mesmo, mas nós perdemo-lo ou passámos ao seu lado. Afinal, talvez que, à caverna de sombras em que vivemos, anteceda o mundo que a criança que fomos um dia habitou.
Carla Araújo

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